Footprints - Praia do Castelejo, Vila do Bispo, Algarve

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O repórter esquecido

Revejo-lhe o sorriso claro, o sentido religioso da vida, a beleza sem mácula de gostar dos outros, a capacidade de compreender a grandeza dos desventurados, essa reserva no sofrimento e essa total deposição de glória. José Antunes, meu camarada, meu parceiro de andejos por montes e vales, no varejo da reportagem, no garimpo do oiro da notícia. E ouço-o: "Vamos a isto, amigo Bastos!, vamos a isto!" Sempre me tratou assim, amigo, num laço de afecto que durou até ao fim da sua vida. "Como é que está o amigo Bastos?", perguntou à mulher, sabedor de que eu fora internado, pela mesma ocasião em que, a ele próprio, a cirurgia tentava extrair um tumor no cérebro. Dias trágicos, dramáticos ou radiosos, esses, em que, no Diário Popular, oferecemos tudo o que havia a oferecer. Ele com a máquina fotográfica sempre pronta a disparar; eu com o coração sem rugas a procurar descobrir o que se escondia, nos outros, para lá do meu olhar.
Percorro, agora, os jornais, as revistas e as televisões que recuperam muitas e muitas imagens obtidas pelo meu amigo, há quarenta anos, na festa de Abril. Nem uma leva o nome do autor, num anonimato obsceno, que tem muito que ver não só com ignorância, mas também com inveja e com o desprendimento ético do meu amigo. Durante esses dias tumultuosos e febris o Zé Antunes fotografou tudo o que era imprescindível fotografar. Uma tarde, revelou-me que tinham "desaparecido", do laboratório do jornal, três rolos de negativos por ele considerados "históricos." Disse-o sem lamúria nem queixume, acentuando, apenas, que desconfiava de quem fora o usurpador.

Sem comentários:

Enviar um comentário