Footprints - Praia do Castelejo, Vila do Bispo, Algarve

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Morta

Morta,
Como és clara,
Que frescura ficou entre os teus dedos...

És uma fonte,
Com pedras brancas no fundo,
És uma fonte que de noite canta
E silenciosamente
Vêm peixes de prata à tona de água.

Morta como és clara,
E florida ...

És a brisa
Que num gesto de adeus passa nas folhas,
És a brisa que leva os perfumes e os entorna,
És os passos leves da brisa
Quando nas ruas não passa mais ninguém!

És um ramo de tília onde o silêncio floresce,
És um lago onde as imagens se inquietam,
És a secreta nostalgia duma festa
Que nos jardins murmura.

Cantando
Com as mãos deslizando pelos muros
Passas colhendo
O sangue vermelho e maduro das amoras

Vais e vens
Solitária e transparente
E a memória das coisas te acompanha.

Morta como és clara,
E perdida!

És a meia-noite da noite,
És a varanda voltada para o vento,
És uma pena solitária e lisa,

As sombras recomeçam a dançar,
O perfume das algas enche o ar
E as ramagens encostam-se às janelas:

Suaves cabelos de pena tem a brisa.
Sozinha passas no fim das avenidas.
Não mostras o teu rosto,
Passas de costas com um vestido branco.

Como tu és leve e doce como um sono!
O sopro da noite enche-se de angústia
E de mim sobem palavras solitárias:

És o perfume de infância que há nas rochas,
És o vestido de infância que há nos campos,
És a pena de infância que há na noite.

Subitamente
Agarro perco a forma do teu rosto:

Como tu és fresca!
Passas e dos teus dedos correm fontes.
Como tu és leve,
Mais leve que uma dança!

Mal chegaste, mal voltaste, mal te vi
Já no fundo dos caminhos te extinguiste:

Areia lisa e branca que nenhum passo pisa
Pena lisa
Angústia fonte fresca e brisa.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Fotos Minhas


photo:rogério barroso. Foto nº 319 - Leques.

Fotos Minhas


photo: rogério baroso. Foto nº 318. Graffiti.

O poeta sábio

É sábio hábil arguto informado
Porém quando ele escreve
As Ménades não dançam

Sophia de Mello Breyner Andresen

The Beatles - Love Full Album (HD)

Djavan - Se

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 317 - Plaça De La Vila de Gràcia.

Vá-se lá saber porquê?

Já começo a sentir saudades do IVA de 8% na Restauração em Espanha!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 315 - Graffiti.

Quando o amor morrer


Ao Manuel Torre do Valle


Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços,
A Deus e aos sonhos que gelaram.

Ruy Cinatti

Corsage -- "Adeus Europa"

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 314. A bola, com encanto!

Desabafo sentido!

O que é bom, também acaba!
No regresso a casa!

domingo, 27 de maio de 2012

Fotos Minhas


phptp: rogério barroso. Foto nº 312 - Telhados da Gràcia.

Segundo dos poemas de infância


Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebecem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.

Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.

E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira
que levou o chapéu do Senhor Administrador!
Em toda a vila,
se falou logo num caso de política;
o Senhor Administrador
mandou vir da cidade uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...

Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!

Manuel da Fonseca

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 311 - Graffiti.

sábado, 26 de maio de 2012

Pink Floyd - Wish You Were Here (with lyrics)

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 310 - Pg. de Gràcia.

Eu cantarei de amor tão docemente



Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

Luís de Camões 

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 309 - Batente.

Não batas à porta, entrega-me as tuas cartas em mão!

Vento



As palavras 
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.

Carlos de Oliveira

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 308 - Graffiti.

Fotos Minhas


photo: rogério barroso: Foto nº 307 - Plaça de la Vila de Gràcia.

"Ainda Bem" Marisa Monte - Clipe Oficial

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 306 - Graffiti.

E se ponerei la mano em vós


E se ponerei la mano em vós
garrido amor.

Um amigo que eu havia
mançanas d'ouro m'envia,
garrido amor.

Um amigo que eu amava,
mançanas d'ouro me manda,
garrido amor.

Mançanas d'ouro m'envia,
a melhor era partida,
garrido amor.

Mançanas d'ouro me manda,
a melhor era quebrada,
garrido amor.

Gil Vicente

50 sítios com ebooks gratuitos

Pode encontrá-los aqui!

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 305. Plaça de la Vila de Gràcia - Barcelona.

Aproveitando a sombra para colocar a conversa e, notícias em dia!

Vá-se lá saber porquê?

Vou sentir saudades da taxa de 8% aplicada na restauração em Espanha!

Lafayette Afro Rock Band - Hihache

Fiona Monbet StOuen 2009 Concert du soir

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Bob marley "no woman no cry" 1979

Casa da Ásia


Foto nº 304


Foto nº 303


Foto nº 302


Foto nº 301


Foto nº 300


Foto nº 299


Foto nº 298


Foto nº 297


foto nº 296


Foto nº 295


Foto nº 294


Foto nº 293

photos: rogério barroso: Pormenores exterior (porta e janela) e interior da Casa da Ásia.

Bob Dylan - Like A Rolling Stone

Dies irae


Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!

Miguel Torga

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 292 - Graffiti.

Elvis Presley - Love Me Tender

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 291 - Castellers da Gràcia.

Vá-se lá saber porquê?

O ministro Relvas é um tanto ou quanto sui generis. É um manipulador nato! Está a ser ouvido na ERC por ter ameaçado uma jornalista (por se sentir pressionado) que revelaria na net casos da sua vida pessoal.
Não é normal um ministro sentir-se pressionado?
Uma coisa é ser-se pressionado, outra bem diferente é ser-se chantageado; e nesta matéria Relvas dá cartas!

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 290 - Graffiti.

O Poeta


Trabalha agora na importação
     e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
     Podia ser um trabalhador
     por conta própria,
um desses que preenche
     cadernos de folha azul com
     números
de deve e haver. De facto, o que
     deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
     acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
     do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
     e exportar as nuvens.
     Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
     de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
     escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que 
     passa a caminho
     da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
     e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
     interrupção da morte.

Nuno Júdice 

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 289. Graffiti.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Para um amigo tenho sempre um relógio


Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa, 
Viagem Através duma Nebulosa (1960) 

Te devoro - Djavan

Fotos Minhas


photo: rogério barroso.Foto nº 288. Grupo de Castellers de Tarragona.

Desabafo sentido.

Não gosto da passividade das minhas gentes; essa dos brandos costumes já me chateia. Quarenta e oito anos de obscurantismo deixaram marcas profundas numa determinada classe etária; mas o adormecimento da juventude portuguesa é, de todo incompreensível!

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 287 - Descansando numa terraza.

Pastora da serra




Pastora da serra
da serra da Estrela,
perco-me por ela.

VOLTAS

Nos seus olhos belos
tanto Amor se atreve,
que abrasa entre a neve
quantos ousam vê-los.
Não solta os cabelos
Aurora mais bela:
perco-me por ela.

Não teve esta serra
no meio da altura
mais que a fermosura
que nela se encerra.
Bem céu fica a terra
que tem tal estrela:
perco-me por ela.

Sendo entre pastores
causa de mil males,
não se ouvem nos vales
senão seus louvores.
Eu só por amores
não sei falar dela:
sei morrer por ela.

De alguns que, sentindo,
seu mal vão mostrando,
se rim, não cuidando
que inda paga, rindo.
Eu, triste, encobrindo
só meus males dela,
perco-me por ela.

Se flores deseja
por ventura, belas,
das que colhe, delas,
mil morrem de enveja.
Não há quem não veja
todo o milhor nela:
perco-me por ela.

Se na água corrente
seus olhos inclina,
faz luz cristalina
para a corrente.
Tal se vê, que sente,
por ver-se, água nela:
perco-me por ela.

Luís de Camões 

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 285 - Castellers de Matarò.

Sem data


Esta voz com que gritei às vezes
Não me consola de só ter gritado às vezes.

Está dentro de mim como um remorso, ouço-a
Chiar sempre que lembro a paz de segurança estulta
Sob mais uma pedra tumular sem data verdadeira.

Quando acabava uma soma de silêncios,
Gritava o resultado, não gritava um grito.

Esta voz, enquanto um ar de torre à beira-mar
Circula entre folhas paradas,
Conduz a agonia física de recordar a ingenuidade.

Apetece-me explicar, agora, as asas dos anjos.

Jorge de Sena 

Fotos Minhas


photo: rogério battoso. Foto nº 284 - Castellers de Tarragona.

Vá-se lá saber porquê?

Três dias de céu nublado e alguma chuva, de repente a temperatura sobe desalmadamente.
Barcelona tem destas coisas, no que ao clima diz respeito!

Simon & Garfunkel : El Condor Pasa (1970)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Seu Jorge - Burguesinha

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 283 - Formação de Castellers.

Liberdade, onde estás? Quem te demora?


Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha... Oh!, venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!

Bocage 

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 282 - Castellers.

Recado


ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte


vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite


deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me


que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite


não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Al Berto, 
Horto de Incêndio 

Moody Blues - The Story In Your Eyes (original version)

My Morning Jacket - Anytime

domingo, 20 de maio de 2012

sábado, 19 de maio de 2012

Odeio este tempo detergente



Odeio este tempo detergente 
um tempo português que até utilizou 
os primeiros acordes da quinta sinfonia de beethoven 
como indicativo da voz do ocidente 
chamada actualmente a emissão em línguas estrangeiras 
um tempo que parou e só mudou 
o nome que puseram num mundo que muda 
a coisas que afinal permaneceram 
um tempo português que alguma vez até em camões vê 
o antecessor e criador de coisa como a nato 
com a profética visão de quem consegue conceber tal obra 
bem pouco literária por sinal e só possível graças à visão 
de quem com um só olho vê as coisas quatrocentos anos antes 
Odeio este meu tempo detergente 
de uma poesia que discreta até se erótica antigamente 
hoje se prostitui numa publicidade 
devida a algum poeta público que a certo detergente 
deu de repente esse teu nome musical de musa 
a ti precisamente a ti nesse teu rosto sorridente 
onde o poeta público publicitário porventura viu 
sobressair teu riso nesse território de alegria 
e a brancura mais alva nesses dentes alvejar 
E eu que faço eu aqui em todo este tempo detergente quando 
sinto subitamente cem saudades tuas 
que posso que não seja odiar mais um meio que jamais 
tentaria impedir evitaria um tempo que consente até contente 
que faças dentro em pouco um ano mais 
um meio onde nem mesmo eu mulher afinal sei 
que terei de fazer para deter ao menos um momento essa tua idade 
a tua juventude se possível anos antes de haver-te conhecido 
por acaso e já tarde na cidade onde nasceste 
cidade que unamuno diz viver morrer apenas por amor 
amor morto ou mortal mas amor imortal 
cidade solidão as ruas muita gente os sons o sol 
difusos e confusos corredores de uma faculdade 
folhas que se renovam rostos que outros rostos 
tão firmes tão presentes permanentes um só ano antes 
friamente destroem sem deixar sequer 
ao menos uma marca nessa fria impassível pedra 
o tempo os sóis dos séculos cingindo os cintos da cidade 
dessa cidade onde o povo morre novo à volta 
do mesmo monumento destinado a exaltá-lo 
cidade onde afinal a paisagem é pretexto para o homem 
cidade portuguesa ó portugal ó parte da hispânia maior 
maneira triste de se ser ibéria onde 
da terra emerge o homem que depois o rosto nela imerge 
ó portugal dos pescadores de espinho 
espinho do suicida laranjeira espinho praia 
antiga amiga e conhecida de unamuno 
a praia dos seus últimos passeios portugueses 
angústia atlântica e odor ó dor olor a campo 
praia que so' existe quando alguém a veste 
coisa que foi somente quando tu mulher a viste 
Aqui em portugal aqui na vasta praia portuguesa 
aqui nasci e ao nascer morri 
como morri a morte que por sorte sempre tive 
pesadamente do mais alto do meu peso dos meus anos 
em cada um dos sítios onde um dia estive 
Aqui tive dezasseis anos aos dezasseis anos 
aqui só vejo pés há muitos anos já 
Aqui o meu chapéu de chuva mais ao sul aceita em chapa o sol 
chapéu que fecho quando fecha o sol definidor do dia 
Tive um passado agora inacessível um passado 
tão alto como a torre do relógio da aldeia 
que pontual pontua a passagem do tempo 
um tempo não ainda detergente um tempo 
afinal só visível no sensível alastrar da sombra 
ao longo desse pátio só possível ao adolescente 
que mais tarde e mais só e de maneira mais sensível 
mais só se sentirá no meio da imensa gente 
que se sentia ali entre a andorinha e a nespereira 
Não o sabia então mas dominava um mundo 
esse mundo que espero que me espere um dia ao fundo 
lá quando findo o dia sob o chão me afundo e ao final 
em terra e em verdade é que me fundo 
Mas eu aqui completamente envolto neste tempo detergente 
é da segunda-feira e da semana que preciso pois 
posso lutar melhor por uma luz melhor 
do que esta luz do mar à hora do entardecer 
É da cidade é da publicidade é da perversidade 
que preciso e não tenho aqui na praia 
Não tenho nem o mar nem tão rudimentar 
a técnica de olhar alguém as minhas mãos 
para me devassar a vã vida privada 
É de inverno é domingo estou sozinho aqui na praia 
regresso a casa à noite apanho eu próprio a roupa no quintal 
e tenho a sensação de quem alguma coisa 
faz pela primeira e sente bem ou mal 
que tarde toma agora o seu banho lustral

Ruy Belo

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 280. Escultura.

Tìtulo: Cabello liso
Material: Bronze
Ano: 1998
Autor: VILATÓ

Soledad Vélez - Animals

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 279 - Escultura.

Título: Cabez de Izicaua
Material: Bronze
Ano: Junho de 1998
Autor: VILATÓ

Miguel Gameiro - Dá-me um abraço

Claridade



Clareou.
Vieram pombas e sol,
e, de mistura com Sonho,
pousou tudo num telhado...
(Eu, destas grades, a ver,
desconfiado.)

Depois,
uma rapariga loira,
(era loira)
num mirante
estendeu roupa num cordel:
Roupa branca, remendada,
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia...

E não foi preciso mais:
Logo a alma
clareou por sua vez.
Logo o coração parado
bateu a grande pancada
da vida com sol e pombas
e roupa branca, lavada.

Lisboa, Cadeia do Aljube, 1 de Fevereiro de 1940

Miguel Torga 

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 278. Escultura- Peana escotada1
Autor: VILATÓ
Material: Bronze
Ano: Janeiro 1998

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Sarah Vaughan - Come Rain Or Come Shine (1950)

Donna Summer- Hot Stuff

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 277. Escultura-Adela.
Autor: VILATÓ
Material: Bronze

Seios





Sei os teus seios.
Sei-os de cor.
Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.
Vitoriosos já,
Mas não ainda triunfais.
Quem comparou os seios que são teus 
(Banal imagem) a colinas!
Com donaire avançam os teus seios,
Ó minha embarcação!
Por que não há 
Padarias que em vez de pão nos dêem seios
Logo p´la manhã?
Quantas vezes
Interrogaste, ao espelho, os seios?
Tão tolos os teus seios! Toda a noite
Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!
Quantos seios ficaram por amar?
Seios pasmados, seios lorpas, seios
Como barrigas de glutões!
Seios decrépitos e no entanto belos
Como o que já viveu e fez viver!
Seios inacessíveis e tão altos
Como um orgulho que há-de rebentar
Em desesperadas, quarentonas lágrimas...
Seios fortes como os da Liberdade
- Delacroix - guiando o povo.
Seios que vão à escola p´ra de lá saírem
Direitinhos p´ra casa...
Seios que deram o bom leite da vida 
A vorazes folhos alheios!
Diz-se rijo dum seio que, vencido,
Acaba por vencer...
O amor excessivo dum poeta:
«E hei-de mandar fazer um almanaque
Na pele encadernado do teu seio!» (Gomes Leal)
Retirar-me para uns seios que me esperam
Há tantos anos, fielmente, na província!
Arrulho de pequenos seios
No peitoril de uma janela 
Aberta sobre a vida.
Botas, botifarras
Pisando tudo, até os seios
Em que o amor se exalta e robustece!
Seios adivinhados, entrevistos,
Jamais possuídos, sempre desejados!
«Oculta, pois, oculta esses objectos,
Altares onde fazem sacrifícios
Quantos os vêem com olhos indiscretos» (Abade de Jazente)
Raparigas dos limões a oferecerem
Fruta mais atrevida: inesperados seios...
Uma roda de velhos seios despeitados,
Rabujando,
A pretexto de chá...
Engolfo-me num seio até perder
Memória de quem sou...
Quantos seios devorou a guerra, quantos,
Depressa ou devagar, roubou à vida,
À alegria, ao amor e às gulosas
Bocas dos miúdos!
Pouso a cabeça no teu seio
E nenhum desejo me estremece a carne
Vejo os teus seios, absortos
Sobre um pequeno ser.

Alexandre O'Neill

photo: rogério barroso. Foto nº 276. Porto de Barcelona.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Queixa e imprecações dum condenado à morte





Por existir me cegam,
Me estrangulam,
Me julgam,
Me condenam,
Me esfacelam.
Por me sonhar em vez de ser me insultam,
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela.
Por lhes falar, proíbem-me as palavras,
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.

Passo a passo os encontro no caminho
Que os deuses e o sangue me traçaram.
E negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram.
Com angústia e com lama.

Passo a passo os encontro no caminho.
Mas eu sigo sozinho!
Dono dos ventos que me arremessaram,
Senhor dos tempos que me destruíram,
Herói dos homens que me derrubaram,
Macho das coisas que me possuíram.

Andando entre eles invento as passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte
E as horas que sei que me estão contadas,
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.

Sou eu que me chamo nas vozes que oiço,
Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo,
Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço,
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.

Sou eu que passeio as correntes e as asas
Por sobre as cidades que vou destruindo,
Sou eu o incêndio que lhes devora as casas,
O ladrão que entra quando estão dormindo.

Sou eu quem de noite lhes perturba o sono,
Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta.
Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai mal o sol se levanta.

Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio,
O tédio que pensam, que bebem e comem,
O tédio de serem sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem.

Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo
Uma herança de pragas e animais nocivos.
Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
de serem inúteis e ficarem vivos.

Ary dos Santos 

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 274. Concentração 12 de Maio.

A cidade dos cães

Barcelona, é das cidades que conheço, aquela que mais cães tem!

Colapso



Tudo está
eternamente
escrito
(Spinosa)

Tudo está
eternamente
em Quito
(Uma Rosa)

Mário Cesariny 

Fotos Minhas

photo: rogério barroso. Foto n 273. Papabubble.
Ao fim de uma semana deixei de ter dor nas costas. Finalmente já posso calcorrear a pé, as ruas desta cidade!

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 271 - Descansando.

Presídio

Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo 
Que dizer do pescoço, às vezes mármore, 
às vezes linho, lago, tronco de árvore, 
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

David Mourão-Ferreira, in “Obra Poética”

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto n 270. Porto de Vela - Barcelona.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

terça-feira, 8 de maio de 2012

este livro

este livro. passa um dedo pela página, sente o papel
como se sentisses a pele do meu corpo, o meu rosto.

este livro tem palavras. esquece as palavras por
momentos. o que temos para dizer não pode ser dito.

sente o peso deste livro. o peso da minha mão sobre
a tua. damos as mãos quando seguras este livro.

não me perguntes quem sou. não me perguntes nada.
eu não sei responder a todas as perguntas do mundo.

pousa os lábios sobre a página. pousa os lábios sobre
o papel. devagar, muito devagar. vamos beijar-nos.

José Luís Peixoto

Fotos Minhas


photo: rogério barroso. Foto nº 268 - Calçada portuguesa.