A literatura morreu — e ninguém deu por isso
A literatura, essa velha senhora que outrora fumava cigarros na mesa dos cafés e falava com ironia e febre, agora vive num lar de influencers. Está penteada, higienizada, domesticada. Publica-se como quem posta. Lê-se como quem desliza o polegar — sem deixar marcas, sem sujar as mãos.
Os escritores de hoje parecem mais preocupados com a capa do que com a carne. Querem prémios, likes e entrevistas, mas fogem do abismo — e o abismo é o único lugar onde a literatura realmente acontece. António Lobo Antunes continua lá, teimoso, a escavar com frases que sangram; o resto escreve frases que piscam.
As editoras falam em “conteúdos”, os leitores em “produtos”, e todos parecem satisfeitos com esta troca de dignidade por algoritmo. A literatura deixou de ser uma ferida para ser um filtro. E o mais triste é que já ninguém se queixa da infecção — preferem o efeito.
O problema não é que se leia pouco. É que se lê mal. E o mal de leitura é mais perigoso que o analfabetismo: produz gente convencida de que compreendeu o mundo porque o viu resumido num carrossel do Instagram.
Mas talvez ainda haja esperança — se houver quem leia Lobo Antunes sem medo, quem aceite perder-se numa frase que não termina, quem ainda prefira o incómodo ao conforto. Porque a literatura não precisa de salvação. Precisa de leitores que se deixem queimar.